Jornal UNI-BH

Tuesday, October 18, 2005

A guerra em Angola

Júnia Leticia

A República de Angola, desde seu descobrimento pelos portugueses, no século XVI, nunca viveu em paz. A crise agravou-se em 1975, a partir de sua independência. O País desperta o interesse internacional por possuir grandes jazidas de diamantes e destaca-se por ser o maior exportador de petróleo para os Estados Unidos. Entretanto, segundo informa relatório da organização Médicos Sem Fronteira, é freqüente a falta de combustível, vital para o funcionamento dos geradores dos hospitais. As minas terrestres, colocadas em solo angolano ao longo do conflito, está entre seus principais problemas. Estima-se que há de 15 a 20 milhões de minas, que resultaram em 70.000 mutilados.

Um levantamento da ONU – Organização das Nações Unidas – revela que a taxa de mortalidade, de quase 30% entre as crianças com menos de cinco anos classifica Angola como um dos piores países do mundo. Dois terços dos habitantes vivem com menos de um dólar por dia. O Índice de Desenvolvimento Humano de 1997 constatou que 82,5% da população vive em pobreza absoluta e a expectativa de vida para homens é de 45 anos e, para mulheres, de 48.

Contrariando as estatísticas, alguns refugiados conseguem superar esta previsão. Os pais do professor de idiomas Eurico Josué Ngunga, no Brasil desde 1993, Frederico Ngunga, 65 anos, e Filomena Ngunga, 54, são exemplos. Eles chegaram a BH há cinco anos e fazem parte da comunidade angolana que tem, segundo Josué, cerca de 300 pessoas. “Não há dados precisos sobre a população angolana na capital mineira. Para isso, criamos a Associação dos Amigos de Angola, a fim de conhecer suas dificuldades. Estamos também tentando aproximar-nos do Governo, do Consulado Angolano no Rio de Janeiro e da Embaixada em Brasília, para obtermos ajuda”, esclarece.

Eurico Josué Ngunga diz que a situação política é a principal causa da crise em Angola. Ele explica que o País é dominado por duas facções: o partido do governo, MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), que domina a produção de petróleo, e a Unita (União Nacional para a Independência Total de Angola), que faz oposição e controla a produção de diamantes. “Eles lutam por uma causa, digamos semelhante, mas usam meios diferentes, bélicos, para poder obter a paz e conseguir vencer eleições”, conta o professor.

De acordo com o que ele diz, a situação é muito séria. “As infra-estruturas estão todas destruídas, não há escolas, hospitais e ajuda humanitária suficiente para atender a todos.”

Josué Ngunga diz que, raramente, recebe notícias da família. “Temos irmãos que estão em localidades de difícil comunicação. Tenho duas irmãs que estão internadas na capital, Luanda, vítimas da malária. Quase não há medicamentos e elas já não têm esperanças. Dizem que só estão esperando a morte. Gostaríamos de trazer toda a família, mas, para isso, teríamos de pagar cerca de 2 mil dólares por pessoa. Eu e meu irmão já sustentamos os outros cinco membros da família que estão aqui”, destaca.

Para escapar do Exército, o professor fugiu para um seminário na Igreja Batista de missionários brasileiros, portugueses e americanos, em Huambo. Depois de um ano, foi para a capital, onde passou mais de dois anos até conseguir a documentação para sair do País.

Em fevereiro de 1991, Josué Ngunga tentou entrar no Brasil pela primeira vez. “Na época, havia uma lei em que os turistas que quisessem entrar no País como estudantes, teriam de ir para a Argentina ou Paraguai, para mudarem de visto na embaixada brasileira lá, e entrar novamente com o visto de estudante. Justamente naquela época, porém, Fernando Collor de Melo, então Presidente da República, tornou nula esta lei. Tive 24 horas para sair do País. De volta à Luanda, peguei malária, uma das grandes epidemias que há por lá. Mesmo sozinho e doente, fazia trabalhos pesados. Vivia à base de soro, pois não existem medicamentos para todos. Diariamente, percorria 16 quilômetros a pé até o hospital para tomar soro e agüentar trabalhar no dia seguinte”, observa.

Com a ajuda de amigos, obteve os 1.400 dólares necessários para a passagem. Em 1993, Josué conseguiu o visto de estudante e chegou ao Brasil.

À procura do irmão

O próximo passo foi encontrar o irmão. “A notícia que tinha era que ele morava em BH, mas estava partindo para Portugal. Assim que cheguei, procurei um médico angolano, que também estava exilado aqui e que eu não conhecia. Só sabia que ele morava no bairro Serra Verde. Na avenida Paraná, pedimos informações até encontrar a casa do dr. Joaquim Ricardo Kangue. Por sorte, ele conhecia meu irmão e, no dia seguinte, eu o encontrei.

Ao chegar ao Brasil, Josué ainda estava doente. Pesava 49 quilos, mas tinha disposição para trabalhar. “Como eu falava algumas línguas estrangeiras – inglês, espanhol e francês – , tive facilidade para encontrar o primeiro emprego, que foi na secretaria de uma igreja. Depois, comecei a dar aulas de idiomas”, completa. Hoje, além de professor de línguas, freqüenta o 6o período do curso de Letras.

A partir de sua própria experiência, Ngunga escreveu dois livros que ainda não foram publicados, por falta de patrocínio. Ndjango – A escola da vida é um romance que começa em sua aldeia (Kuima). O foco central é Soba, ancião da aldeia, que equivale a um cacique indígena, e passa a tradição para os jovens. Já o livro de poemas O mundo de um impossível divide-se em três partes: a primeira relaciona-se aos excluídos, tratando da busca pela essência da vida; a segunda exalta a mulher angolana, em especial a Nginga Mbandi, a única rainha guerreira que enfrentou os portugueses na colonização; e a terceira faz uma exaltação à humanidade, descrevendo as belezas do mundo. Josué também possui o grupo African Kiesse, que toca músicas inspiradas na África.

Visto de exilado – Ser refugiado no Brasil não foi problema para Josué. Já para Augusta Filomena Ngunga, 19 anos, irmã dele, que está no Brasil desde julho de 99, foi mais difícil, devido à burocracia, acredita ela. Seu visto de exilada só saiu em dezembro de 2000, mas uma das maiores dificuldades foi de adaptação. “As mensagens que chegam em Angola mostram o Brasil como um país de pessoas ricas, com cidades muito bonitas, onde todo mundo tem dinheiro”, ressalta. “Tanto pelos brasileiros que vão lá, quanto pelas novelas brasileiras”, completa.

As minas terrestres – Segundo um relatório global da Campanha Internacional para o Banimento de Minas Terrestres, mais de 110 milhões dessas armas encontram-se espalhadas por 64 países. Em 1994 foram produzidas, em 36 países, mais de 2 milhões de unidades. De acordo com estudos da ONU, isso custaria, no mínimo, 33 bilhões de dólares.

Segundo Eurico Ngunga, as minas estão instaladas nas periferias, nos bairros, nos campos e nas estradas de Angola. “As pessoas não podem cultivar. Essas minas foram colocadas desde o início da luta armada, na década de 60. O processo de desativação é difícil, porque tanto o governo como a Unita não possuem mapas de localização e ainda enterram minas em solo angolano.”

Em 1994, ocorreram os Acordos de Paz de Lusaka, ano em que foi criado o governo de transição, mediado por alguns países ocidentais e a Rússia, em Lusaka, capital da Zâmbia. Tanto o MPLA quanto a Unita se juntariam e formariam o Exército Nacional. “Só que nunca houve confiança entre os dois partidos. Depois das eleições, o País caiu novamente em guerra,” destaca Josué Ngunga.

Engana-se, porém, quem acha que os angolanos são tristes. “Sempre digo que uma das grandes armas do povo para não morrer é a esperança”, diz Josué Ngunga. “O que o colonizador não conseguiu tirar de nós é nossa alegria, tradição e cultura. Já que não temos como fugir dessa situação, o que nos resta é sorrir, cantar e dançar”, finaliza.

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