Jornal UNI-BH

Thursday, September 29, 2005

Formação e mercado de trabalho em debate

V Ciclo de Palestra do Curso de Geografia e Análise Ambiental discute as amplas questões relacionadas à graduação

Júnia Leticia e Clarissa Lopes


Iniciada em 1999, a graduação de Geografia e Análise Ambiental oferece duas formações profissionais ao aluno. Além de exercer o magistério de ensino fundamental e médio, o formando estará apto a compreender a organização do espaço natural e humano e elaborar projetos de planejamento agrário, urbano e regional. Atuando nos setores público e privado e em ONGs, os geógrafos têm-se destacado na produção de diagnósticos e na solução de problemas socioambientais.

Desde o início do funcionamento do curso, busca-se o diálogo com profissionais de diversas áreas dos estudos ambientais. Nesse contexto inserem-se os ciclos de palestra, cuja 5o edição foi realizada no primeiro semestre deste ano. Para o Coordenador do Curso de Geografia e Análise Ambiental do UNI-BH, professor André Velloso, a participação dos universitários, não só nesse seminário, como em outros que acontecem pelo Brasil, é uma amostra dos esforços empreendidos por eles para aprofundar os conhecimentos sobre a ciência. "A participação demonstra o interesse dos alunos, não só pelas questões ambientais, mas pelas amplas discussões abordadas pelos geógrafos e pela Geografia."

A professora Ângela Maria da Silva Gomes, destacou a geografia como instrumento de mudança. Fernando César, aluno do primeiro período, confirma essa análise, para ele, essa iniciativa possibilita ao universitário escolher qual o melhor caminho seguir. Abertura de conhecimento e possibilidade de investigação, foram as definições dos estudantes do primeiro período Guilherme Sousa Ferreira e Flávia Aparecida Fátima Silva sobre V Ciclo de Palestras.

A natureza do processo criativo: ensino e pesquisa

Sob esse tema, o V Ciclo de Palestra do Curso de Geografia e Análise Ambiental iniciou as discussões sobre a ciência. O professor do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (IGC/UFMG) Dr. Cássio Eduardo Viana Hissa falou da necessidade do distanciamento do mundo para melhor percebê-lo. Segundo ele, ao nos afastarmos do espaço pesquisado, pode parecer que não fazemos parte dele: “Mas, na verdade, estamos partindo do pressuposto de que somos capazes de construir a distância necessária para o conhecimento objetivo, a partir do qual fazemos a análise e a interpretação do mundo.”

O processo criativo, de acordo com Cássio Hissa, é essencial na elaboração dos relatórios de pesquisa. E o bom andamento dos trabalhos depende da forma como os dados são organizados. Para o Dr. Hissa, a imaginação não pode ficar de fora do processo criativo. “Imaginar é recolher do mundo e transmitir para o mesmo algumas imagens, que são fundamentais à comunicação de qualquer coisa. O pesquisador tem de se fazer comunicar por meio de seu texto, seja ele oral ou escrito. Quando falo em comunicação, refiro-me, também, à necessidade de formular e fabricar imagens que são imprescindíveis para a compreensão do que será lido”, explica o professor.

Quando fala em convencimento, Cássio Hissa esclarece que o texto, seja ele do professor ou do estudante, tem de ser rico em imagens de todos os tipos, não apenas visuais. “Por ser técnico, não significa que o texto tenha de ser ruim. Muito pelo contrário. O texto deve ser bem escrito, para que todos possam compreendê-lo.” Com relação ao uso da imaginação no processo criativo, Dr. Hissa elucida que isso não implica na “invenção” de dados. “Refiro-me à capacidade de argumentação. A pessoa que lê ou escuta o texto tem de se sentir convencido que aquele caminho é o mais interessante.”

Para a elaboração de uma trabalho eficiente, o professor do IGC/UFMG aponta que a formação, na área de Geografia e Análise Ambiental, exige muito investimento. “Ensino e pesquisa fazem parte de um mesmo processo. Formação significa ampliação de todas as possibilidades relacionadas à produção da comunicação do texto. Nós estamos falando sobre a arte de produzir ciência. Isso parece redundante, porque produzir ciência sempre foi arte. Meio ambiente exige um esforço enorme que não termina na graduação. É um aprendizado para o resto da vida, porque trabalhamos com ambientes interpenetrantes; com mundos, aparentemente, estranhos, que têm de ser incorporados, gradativamente, com muito esforço”, reforça.

Por estar em um processo de constante aprendizado, Cássio Hissa garante que, quando o professor entra na sala de aula, não vai ensinar nada e, sim, trocar idéias sobre os textos que leu. “Se não há troca, é porque não houve leitura, e, consequentemente, não há a menor chance de se competir no mercado.”

Sendo assim, o Dr. Hissa não consegue dissociar o professor do pesquisador. “O pesquisador puro não existe. E o contrário também é verdade. A pesquisa é necessária para se fazer comunicar e para que, a partir dela, sejam viáveis alternativas de intervenção no mundo. Quando um professor entra na sala para dar uma aula sobre determinado tema que está no cronograma do curso, muitas coisas podem acontecer. O improviso caminha junto com o imprevisto. No ambiente do saber científico, racional, falar de improviso pode parecer pejorativo. Mas são poucos os que dão conta de improvisar alguma coisa. Só improvisa que tem o domínio da matéria”, avalia.

A formação de educadores e a Geografia escolar diante das mudanças nas LDB

A professora e doutora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FAE/UFMG) Rosalina Batista Braga abordou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica. Coordenadora em nível nacional da Comissão de Ensino da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), ela discutiu as Resoluções CNE/CP nos 1 e 2, de 18 e 19 de fevereiro de 2002. Ambas instituem a duração e a carga horária dos curso de licenciatura, de graduação plena e de formação de professores da Educação Básica em nível superior.

Segundo Rosalina Batista, havia uma tradição, no caso da legislação brasileira, de associar a formação de professores à de bacharéis ligados às formações específicas. “Nesse esquema, com processos diferenciados de titulação, tínhamos a formação do bacharel e do licenciado, em esquema que era ou de reopção para uma nova titulação, ou de continuidade de estudo, como ocorre há alguns anos na UFMG. Assim, as pessoas, prestando vestibular para Geografia, por exemplo, tinham chance de fazer as duas habilitações”, conta Rosalina Batista.

A formação para o professor, até então, era específica, e abrangia o campo pedagógico. Na formação profissional geral, estão os fundamentos do processo educativo (a filosofia e a sociologia da educação, a didática geral, etc.). “A formação profissional específica diz respeito às habilidades docentes, especialmente ao que se refere às práticas de ensino. Essa, que já é tradicional no Brasil, foi questionada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).”

A professora conta que há um certo consenso, mundialmente difundido, que diz que os cursos de formação docente não preparam profissionais para a educação básica. Segundo ela, as graduações apenas realizam a formação nas universidades, introduzindo o estudante no campo da docência, de maneira genérica: “Além de ser pouco competente, no sentido de propiciar àquele estudante uma formação mínima que o aproxime do fazer pedagógico e da prática docente, com habilidades e competências para realizar essa tarefa”, enfatiza.

Apesar disso, ela admite que nenhuma graduação forma profissionais de maneira definitiva, pois a aprendizagem, ligada à experiência prática, é insubstituível, em qualquer curso. “É aquele quadro no qual os alunos, quando vão para docência descobrem que não sabem ministrar aulas. Esse contexto, de certa forma, resulta do fato de o aluno não ter conhecimento da prática. São saberes que a universidade não tem como passar porque são consumidos no fazer.”

Outro elemento preocupante para Rosalina Batista é o fato de as instituições de ensino não formarem profissionais para construir uma competência para docência. “Falo de uma história da formação da docência no Brasil, em que se constata, sem nenhuma dúvida, precariedade. Não seria melhorando uma disciplina ou outra que essa questão seria corrigida. O CNE percebeu que era necessário uma mudança de concepção de formação docente. Nesse sentido, a proposta, que foi aprovada em fevereiro, coloca questões absolutamente novas no panorama de ensino.”

O profissional geógrafo: possibilidades de atuação


Esse foi o tema de uma das discussões do seminário. O geógrafo Jackson Cleiton Ferreira Campos, um dos participantes da mesa organizada para debater o assunto, destacou que as Resoluções CNE/CP no 1 e 2, de 18 e 19 de fevereiro de 2002 tornam claro o mercado de atuação do geógrafo, anteriormente desconhecido.

Em sua exposição, ele citou meio ambiente, educação e turismo como áreas de exercício para o profissional. “Com a ascensão da problemática social, desvinculou-se um pouco a geografia das questões urbanas. Temos de perceber que a área ambiental está em franca expansão, já tendo chegado às cidades de médio porte.” O geógrafo enfatizou a necessidade se entender um pouco das áreas que estão agregadas ao conhecimento geográfico para que o profissional transforme-se em um agente de síntese.

Concordando com Jackson Campos, o Dr. Cássio Hissa disse haver várias áreas de conhecimento que se interpenetram com o objetivo de produzir informação, a fim de transformar para melhor os espaços que são produzidos e ocupados pela sociedade de um modo geral. Antes mesmo das diversas regulamentações, inclusive aquela que deu ao geógrafo a condição de profissional subordinado ao Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA), já havia um mercado de para o geógrafo, no sentido de planejar o território para minimizar os impactos causados pela raça humana”, ilustra Cássio Hissa.

Conforme Cássio Hissa, há um termo de referência, utilizado por quem trabalha com consultoria na área geográfica, que separa o mundo da economia, da cultura, da sociedade, daquele chamado de meio ambiente. Ele acha o fato um pouco estranho: “é muito difícil pensar em meio ambiente sem pensar em sociedade. O geógrafo vai ter de conviver com profissionais de todas as áreas, porque produzirá informação de natureza ambiental, que tem a finalidade de minimizar impactos decorrentes da ocupação humana e da atividade econômica”, analisa.

A professora do curso de Geografia e Análise Ambiental do UNI-BH Míriam Rezende Bueno, também integrante da mesa, abordou a licenciatura. Segundo ela, existe uma concepção na educação da proletarização do professor e da formação para o magistério. Com isso, há a fragmentação da atuação nos estabelecimentos de ensino. “Parece que isso construiu-se com uma cultura, difícil de ser arrancada do aluno. Chegou na escola, na formação desse professor e também na instituição acadêmica. A escola incumbiu-se, ainda, de fazer muito melhor isso quando divide tarefas de forma sistemática.”

A partir de meados da década de 80, a professora notou mudanças, vindas com a globalização. “O processo traz uma série de modificações em que, ao mesmo tempo em que há fragmentação, existe uma tentativa de ajuntamento. Para a escola, o chamado enfoque globalizador é novidade. Traduzido para o interior da instituição de ensio, trata-se de uma nova organização do trabalho, que tenta uma interação em tempo integral. Hoje o aluno é sujeito e o professor ainda não está preparado para trabalhar com isso. A avaliação não é mais estática, rígida, e, sim, processual”, conclui.

Geografia também pode contar história

Um momento, a um só tempo lúdico e didático, foi propiciado pelo V Ciclo de Palestra do Curso de Geografia e Análise Ambiental. Protagonizado pela professora da Escola Municipal Tancredo Phídeas Guimarães Maria Edite Marins Rodrigues, a exposição enfatizou a importância da construção de histórias para despertar a atenção dos alunos. “Trata-se de um caminho alternativo, principalmente para o aprendizado de crianças carentes, em escolas públicas, creches ou orfanatos”, destaca a professora.

Essa construção, criada por Maria Edite Martins, destina-se a promover a interação entre várias áreas do ensino. “Pesquiso e, na sala, mostro duas alternativas de ensino-aprendizagem. Ambas propostas baseiam-se em um joguinho do encantamento, pois as crianças com as quais trabalho, por ter uma vida difícil, na maioria das vezes, não se seduzem com muita coisa”, esclarece. Em sua exposição, a professora demonstrou como é possível utilizar-se de músicas infantis e marionetes, criadas pelos próprios professores, para levar ensino às crianças.

Geógrafo: um mercado de trabalho em expansão

Pluralizar vozes. Esse foi objetivo do V Ciclo de Palestras de Geografia e de Análise Ambiental, na concepção do professor Rodrigo Teixeira, articulador do curso. A inserção do geógrafo nos órgãos públicos e nas redes de ensino municipal, estadual e particular foram algumas das temáticas, que permearam as discussões durante o evento.

Segundo Lúcia Maria Gonçalves Salgado, diretora do Instituto de Geociências Aplicadas (IGA), a preparação do profissional para o mercado de trabalho deve ser contínua. Assim, o embasamento teórico e concepção prática dessas habilidades devem estar em sintonia, para que haja equilíbrio entre os pólos.

Neste universo em que o mercado de trabalho está cada vez mais competitivo, a geógrafa Ceres Virgínia Rennó Moreira do Centro de Tecnologia do Estado de Minas Gerais (Cetec) defende que cada profissional deve buscar um diferencial, que o destaque no seu nicho mercadológico. Isso pode ser conquistado, argumenta ela, investindo-se em cursos de pós-graduação – especialização, mestrado ou doutorado. Na sua concepção, os profissionais bem-preparados são menos atingidos diante dos processos de automação implantados nas empresas, pois delimitam seu espaço ao agregar valor. Ela argumenta que mesmo diante desse panorama é necessário ter uma visão otimista, apesar dos índices crescentes de desemprego no País.

Diante desse panorama, Marcelo Rezende Souza da ITER aponta como condição primordial para a prática diária ter uma postura crítica diante da realidade apresentada. Outro ponto fundamental, mencionado por ele, é gostar do que faz. Quando o dia-a-dia no trabalho é prazeroso, os resultados tanto para o funcionário quanto para o empregador são mais promissores, constata.

Atuação - A escola tem um papel fundamental na formação de todo o cidadão. Atento à essa responsabilidade, as comissões organizadora e de apoio do evento escolheram como pauta da mesa redonda “a atuação do professor de Geografia em diferentes redes de ensino”. Na ocasião, os convidados falaram das dificuldades que enfrentam para prosseguir na tarefa de ensinar e suas perspectivas sobre o papel do geógrafo na sociedade contemporânea.

Conforme Rosemary Vitalina, docente da Escola Estadual Professor Carlos Lúcio de Assis, os professores devem estimular as habilidades artísticas dos alunos, para que suas inteligências múltiplas sejam desenvolvidas. "Hoje, vive-se a era da informática, mas os computadores não possuem criatividade, assim, cada indivíduo tem papel fundamental nesse processo, contesta ela", enfatiza.

Jusiana Senra Benjamim, que leciona na Escola Municipal Henriqueta Lisboa, busca, diariamente, formas alternativas para trabalhar. Prova disso foi a realização da gincana Econsciência Social – trabalho, consumismo, saúde e ética, que teve como objetivo propiciar aos alunos analisar as formas de interferência humana nas águas do planeta. "Por intermédio de estudos de textos, da confecção de cartazes, de murais e de oficinas os alunos do ensino fundamental puderam sistematizar conhecimentos e desenvolver referências para entender as relações entre ambiente, saúde, trabalho, consumo e cidadania. Como as deficiências estruturais são muitas, o diálogo e a troca de experiências, neste universo, foram ferramentas primordiais", ressalta.

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