Jornal UNI-BH

Tuesday, October 18, 2005

"Histórias do não ver" aguça os sentidos

Experiências reveladas em livro a partir da não-visão revelam uma nova concepção de mundo

Júnia Leticia

A Celma Albuquerque Galeria de Arte lançou recentemente o livro Histórias do não ver, do artista visual Cao Guimarães. O livro surgiu de oito experiências do artista a partir da não-visão. Entre 1996 e 1998, Cao Guimarães, com os olhos vendados, pediu a alguns amigos que o "seqüestrassem". A partir daí, fotografava os locais por onde passava e, terminado o "seqüestro", escrevia pequenos relatos da experiência, baseados no que havia apreendido com os outros sentidos. Daí surgiu o livro.

O interesse por este tipo de experiência começou a partir das brincadeiras de infância - tais como cabra-cega - das quais participava. Mas o motivo imediato surgiu quando ele fazia um curso de natação. "Eu nadava pela manhã e, quando entrava dentro d'água e começava a soltar meu corpo, vinham à minha mente reminiscências dos sonhos da noite anterior. Essa segunda visita do sonho fez com que eu quisesse desenvolver um projeto que relacionasse o sentido a essa questão de se sentir 'seqüestrado' pelos sentidos. O contato com a água de manhã, o movimento mecanizado de nadar, em que me sentia como se saísse de mim mesmo, é, de certa forma, um seqüestro da realidade. Sonho e memória são formas de seqüestro."

As experiências que originaram Histórias do não ver foram realizadas em Belo Horizonte, São Paulo, Madri, Londres e Barcelona. Os oito amigos que participaram do projeto levavam o autor de sua casa, já vendado, para locais desconhecidos por ele. "Quando eu chegava em casa, é que tirava a venda dos olhos e começava a escrever um pequeno texto literário sobre as 'sensações' dos outros sentidos." Juntamente com as fotos "cegas", o artista escreveu seus relatos acerca da experiência da "não-visão".

A interferência do acaso na obra de Cao Guimarães foi responsável por cenas muito interessantes, já que o artista fotografava suas experiências de acordo com o estímulo de outros sentidos. Para ele, esta experiência foi única, uma vez que "desenvolveu um projeto com o conceito da produção literária e fotográfica por intermédio dos outros sentidos. Com isso, foram gerados textos e fotos interessantes."

Cao Guimarães conta, ainda, que o que mais o marcou em sua experiência foi o último "seqüestro" do qual participou. "Em uma manhã, eu estava sozinho no apartamento de um amigo, em Madri, quando tocou a campainha. Logo que abri a porta, um casal apontou uma arma para minha cabeça. Neste momento, achei que meu amigo estava envolvido em alguma enrascada e eu estava ali, de bode expiratório. Quando eles vendaram meus olhos, percebi que podia ser o 'seqüestro' planejado por meu amigo, o que mais tarde se confirmou".

Além do livro, Cao Guimarães pediu a seus amigos que filmassem suas experiências que originaram Histórias do não ver. O vídeo é só mais um dos trabalhos que o artista desenvolve em diferentes formatos audiovisuais. Em 1998, ele adquiriu o título de CEMasters of Artis in Photographic Studies na Westminster University, em Londres. Cao também participou, dentre outras, de exposições fotográficas na American Society, (Nova Iorque - 2001), Art Pace Foundation (Texas, Estados Unidos - 2001); Douglas Hyde Gallery (Dublin, Irlanda - 2000); Sybdrome: IASPIS, (Estocolmo, Suécia - 2000); Objeto - Anos 90, no Itaú Cultural (São Paulo - 1999) e CEAntártica Artes com a Folha (1996). Recentemente, o artista foi agraciado com o Prêmio GNT de Renovação de Linguagem no VI Festival Internacional de Documentários "É tudo verdade", em São Paulo, pelo longa "O fim do sem fim".

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