Jornal UNI-BH

Thursday, September 29, 2005

Encontros virtuais

Jornalista procura desvendar em seu livro o mundo dos relacionamentos pela internet e constata: a vida real transpassa a rede

Júnia Leticia

Amor na internet – Quando o virtual cai na real (Editora Record) surgiu graças ao trabalho da jornalista Alice Sampaio, que se cadastrou em dezenas de sites de encontros e participou de salas de bate-papo durante 16 meses para, então, redigir o livro. O material colhido para a obra foi obtido por intermédio de e-mails trocados com 58 pessoas – nove das quais ela conheceu pessoalmente. A partir daí, Alice Sampaio selecionou 17 histórias, ocorridas com pessoas entre 18 e 56 anos, para serem relatadas no livro. Amor na internet conta, ainda, com o comentário de psicólogos, psiquiatras e sexólogos para uma reflexão sobre o que está acontecendo nos relacionamentos amorosos, tanto na internet quanto fora dela.

A jornalista partiu de sua própria experiência para escrever o livro. “Era algo pessoal. Achei que a obra seria interessante, já que eu poderia me identificar com as pessoas e elas comigo, pois passei pelo mesmo processo, com decepções e alegrias.” Alice Sampaio admite que se expôs, usando, até mesmo, fotos suas na fase de pesquisa. “Nunca escondi nada e acho uma pena as pessoas mentirem e ficarem se escondendo atrás da ‘tela’.”

A escritora conta que, na rede, conheceu engenheiros, pilotos de helicóptero, empresários: “conheci gente variada e isso me enriqueceu. Acho que a rede é um grande veículo para contatar pessoas que gostam das mesmas coisas e que têm afinidade.” Apesar das mentiras ditas na internet, a jornalista diz que muita gente foi sincera. “Tenho esperança de que futuramente as pessoas vão levar mais a sério o relacionamento por meio desse veículo de comunicação.” E ela aponta o fato de alguns sites de encontro cobrarem pela inserção do cadastro como um indício dessa mudança.

A rede é um mundo complexo, pouco pesquisado, mal compreendido e que cresce vertiginosamente. Uma pesquisa realizada em 2000 pelo Ibope eRatings.com e divulgada no livro, diz que há, aproximadamente, 14 milhões de internautas no Brasil; mais de dois milhões deles usando somente sites de encontros. Quanto às sala de bate-papo, há uma estatística de que cerca de 300 mil pessoas “entram” por dia. “As pesquisas constataram que só 3% deram certo, tal percentagem significa muita gente. São cerca de 60 mil que se encontraram, estão felizes e se amando.”

A solidão e a carência afetiva estão presentes na rede. “Não sei se a internet está fazendo as pessoas ficarem solitárias ou se é a solidão que está levando as pessoas para a internet. Há quem esteja carente de amigos, de uma palavra”, aponta. A fantasia, a expectativa e a traição também são constantes. Há milhares de casados e casadas procurando relacionamentos na internet. “Essas pessoas, entretanto, estão dizendo a verdade: querem somente uma aventura. Acho isso menos complicado do que, por exemplo, um homem que fala para uma mulher que ela é maravilhosa e, na verdade, não pensa assim. Está só querendo sexo.”

O fato de haver traição não é culpa dos sites, garante Alice Sampaio. “Eles não podem proibir. Não encontrei nenhum tarado, nem maluco, mas recomendo encontros em lugares públicos, já que não se sabe quem está do outro lado. Mas também há muita verdade. A própria Alice Sampaio conheceu um homem que tinha o nick Richard Gere. “Ele mandou-me uma foto em que constatei que era bonito, mas não parecido com o ator norte-americano. Era muita areia para o meu caminhãozinho, mas ele quis almoçar comigo... Quando o encontrei, fiquei muda; vi que ele era mais bonito do que o Richard Gere. Eu não acreditava. E o que aconteceu: ele ficou o almoço inteiro falando dos problemas que tinha por ser bonito. Se ele olhasse para uma mulher, diziam que já estava paquerando. Se ele não olhasse, era gay. Eu nem imaginava que uma pessoa tão bonita poderia ter tantos problemas. Até dei o telefone da minha ex-terapeuta para ele”, conta.

A jornalista acredita que, assim como ela quando começou a acessar a internet com o propósito de relacionar-se, muitas pessoas estão com uma idéia ilusória da rede. “Não é que não valha a pena. Acho a internet ruim quando as pessoas passam horas conectadas e perdem o senso de realidade. No livro apresento uma reunião de conselhos, tiradas da minha experiência e de outras pessoas, para utilizar-se bem desses recursos.” Uma história contada no livro, que a autora avalia como impressionante, foi a de uma garota que namorou sem saber, durante três meses, um matador de aluguel. “Ele andava de BMW para baixo e para cima e ela não sabia como o namorado conseguia ganhar tanto dinheiro trabalhando no Divisão de Contabilidade da polícia. O homem sabia tudo a respeito dela e, para livrar-se dele, teve de ir com muita calma.”

Os relacionamentos na rede são algo novo. Por isso, Alice Sampaio acredita que, futuramente, haverá mudanças comportamentais. “Tanto o virtual quanto o real trazem dificuldades. Muita gente se conhece em outros lugares, mas também está falando que têm medo de se envolver. Acredito que, em breve, os relacionamentos internautas serão mais sinceros.”

BOX: Fonte: Livro Amor na internet
Internetês básico
§ on-line: estar conectado.
§ cair: as pessoas dizem que “caíram”, embora o que caia mesmo seja a conexão, tirado você do papo. Às vezes é demorado conseguir reconectar.
§ e-mail: ou simplesmente mail. São as mensagens trocadas pela internet, quase cartas instantâneas, muito usadas para paquerar ou fazer amizades nos sites de encontros. O seu e-mail é também o seu endereço eletrônico, a sua caixa postal.
§ nick: diminutivo de nickname. É o apelido, ou melhor, o pseudônimo adotado para conversar nos chats e para cadastrar-se nos sites de encontros, usando os e-mails.
§ sites de encontros: cadastram as pessoas e permitem que elas busquem amigos, namorados, amantes. O grau de detalhamento da “ficha cadastral” varia de site para site e os mecanismos de proteção à sua privacidade também.
§ chat: o mesmo que bate-papo ou conversa, mas os brasileiros adotam a forma em inglês.
§ sala de chat: salas de bate-papo pela internet encontradas em todos os portais, como UOL, BOL, Terra, IG, MSN e outros.
§ emoticons: símbolos usados em bate-papos e e-mails para demonstrar emoções.
§ ICQ: programa que pode ser instalado gratuitamente e cria uma sala de bate-papo particular.

BOX: inserir ilustração da página 63 do livro.

Histórias de amor
Deu errado
A loira era gay
Boyusp, um rapaz do interior de São Paulo que estudava Ciências Sociais na USP, teclou com a Loira 20, uma garota inteligente de Ribeirão Preto (SP), durante três meses. “Só estava interessado em caçar e uma loirinha de 20 anos não era nada mau, se fosse bonitinha.” Os dois acabaram marcando um encontro num prédio famoso da Avenida Paulista. Para espanto do Boyusp, a loira era um senhor de 67 anos: “Aos meus olhos de 19, ele parecia ter uns 200, e muito sofridos ainda por cima.” A conversa foi rápida. “Decidi que nunca mais marcaria um encontro com alguém pela internet e parei de entrar nas salas de bate-papo.”
§ ANÁLISE – Interesse produzido – “A relação acaba quando não tem mais rótulo: o universitário perde a loirinha e a inocência. Depara-se com a vida como ela é (...) A loirinha é apenas um objeto de desejo perfeito nesta sociedade hedonista (...)”
Hugo Fagundes, psiquiatra que coordena o Programa de Saúde Mental do Rio de Janeiro.

Deu certo
Quem é Beatriz?

Beatriz morava em Recife (PE) e conhece Aquila821, que morava em Pirassununga (SP) nos canais mIRC. Ele entrou perguntando, simplesmente, quem era Beatriz e ela achou que já se conheciam. Descobriu que não, mas continuaram teclando. Ele sempre mostrando cultura e intelectualidade, e ela, além de reforçar isso, demonstrava ter mais maturidade em relacionamentos amorosos. Pouco mais de um a no depois, se encontraram, casaram e tiveram um filho. Hoje, vivem bem, apesar de alguns problemas financeiros, da posição contrária de alguns parentes e da diferença de idade – quando se conheceram, em 1997, ele ia fazer 18 anos e ela tinha 31.
§ ANÁLISE – Opostos complementares – “A primeira hipótese que faço é de que quem procura um ‘encontro’ pela internet já tem um dificuldade de estabelecer relacionamentos mais diretos, talvez por medo de se envolver ou ser rejeitado (...) Esse casal, apesar de ter começado com uma relação projetiva e emocionalizada, após quatro anos de convivência aparentemente substituiu a paixão por um afeto mais maduro e apoio emocional recíproco: desenvolveram uma relação de cuidador e cuidada que parece satisfazê-los e estar dando certo, apesar da diferença de idade e dificuldades financeiras. Não importa como a relação começa, o que vale é se caminha ou não para um encontro verdadeiro.”
Maria Rita Seixas, psicóloga.

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